Iniciativa do Programa Jovens Doutores viabiliza desenvolvimento de tecnologia automatizada com potencial de transformar a gestão de excedentes industriais em Alagoas
por Tárcila Cabral / Ascom Fapeal
Fernanda Peitier, bolsista do programa Jovens Doutores -Foto: Acervo pessoal – pesquisador
Transformar o que antes era considerado um passivo ambiental em uma nova fonte de energia limpa, tem sido o objetivo de um projeto apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal). O estudo intitulado “Monitoramento automático de reator anaeróbio contínuo para codigestão de vinhaça e melaço e produção de bio-hidrogênio”, foi conduzido pela bolsista Fernanda Peiter sob a coordenação e orientação do professor Eduardo Lucena, doutor em engenharia Hidráulica e saneamento. Ambos são da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
Estruturado a partir de recursos do Programa de Apoio à Fixação de Jovens Doutores no Brasil, o edital é uma parceria entre o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fapeal, sendo, essa pesquisa em particular, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Recursos Hídricos e Saneamento (PPGRHS) da Ufal.
Finalizado em fevereiro de 2025, o projeto investigou ao longo de dois anos o uso de subprodutos oriundos da indústria sucroalcooleira – a vinhaça e o melaço – como matéria-prima para produção de bio-hidrogênio, utilizando um reator anaeróbio automatizado e monitorado em tempo real.
Neste trabalho a responsável pela implementação da análise, Fernanda Peiter, explicou que o objetivo era criar uma tecnologia eficiente e acessível para o aproveitamento energético desses materiais. “A vinhaça é um efluente de alto volume e com grande potencial poluidor. Quando conseguimos transformá-la em bioenergia, resolvemos dois problemas: o do descarte e o da geração energética limpa”, afirmou ela.
Segundo o coordenador do estudo, para cada litro de etanol produzido, são gerados de 12 a 14 litros de vinhaça. “Esse subproduto é frequentemente utilizado para fertirrigação (aplicação de fertilizantes através da irrigação), mas seu uso excessivo pode comprometer o solo e até contaminar lençóis freáticos. Nosso intuito foi propor um destino mais sustentável, usando a vinhaça como insumo para a produção de bio-hidrogênio”, explicou Eduardo Lucena.
A técnica utilizada por eles foi a digestão anaeróbia, processo que ocorre na ausência de oxigênio, com a atuação de microrganismos que decompõem a matéria orgânica. “Esse método gera gás hidrogênio, etanol e ácidos que têm valor agregado para a indústria. A codigestão com melaço permite melhorar o rendimento energético, já que um dos substratos é rico em nitrogênio e o outro em carboidratos”, detalhou o professor.
Pesquisa inovadora com monitoramento automatizado
Narrando os frutos do projeto, Fernanda Peiter explica que a inovação tecnológica dele está atrelada ao desenvolvimento de um sistema de monitoramento automatizado do reator, capaz de acompanhar variáveis como temperatura, pH e concentração de sólidos.
“O monitoramento automatizado foi essencial para tornar o processo mais eficiente e confiável. Normalmente, os dados desses reatores são coletados de forma manual, o que é mais demorado e sujeito a falhas. Automatizando, conseguimos acompanhar o desempenho em tempo real, tomar decisões mais rápidas e otimizar a produção de bio-hidrogênio”, explicou a jovem doutora.
Ela acrescentou que, com esse método, foi possível coletar uma quantidade consideravelmente maior de dados por experimento, o que também viabilizou o uso de ferramentas de inteligência artificial e machine learning para modelar o sistema e prever cenários operacionais do reator.
Bioenergia e futuro sustentável
Nesse cenário, os estudiosos abordaram que o bio-hidrogênio é considerado uma das fontes mais promissoras de energia limpa, com alto poder calorífico e emissão zero de carbono. “Ele possui três vezes mais energia que a gasolina e, ao ser queimado, emite apenas vapor d’água. Isso faz dele um elemento importante na transição energética global”, pontuou Fernanda Peiter.
Para o coordenador, embora o rendimento do bio-hidrogênio por digestão anaeróbia ainda seja inferior ao do hidrogênio verde – produzido por eletrólise da água –, essa técnica possui mais vantagens por aproveitar resíduos obrigatórios de tratamento. “Se já há uma obrigação legal e ambiental de tratar a vinhaça, por que não agregar valor a esse processo com a produção de gás energético?”, questionou ele.
O professor destacou também que há espaço para parcerias com o setor produtivo. “Já existem usinas no estado que utilizam vinhaça para produção de biogás. A ideia é acoplar o sistema de produção de hidrogênio para enriquecer esse biogás, formando o chamado biohitano, que tem maior poder de combustão e pode ser usado em turbinas ou motores de geração elétrica”, concluiu.
Impacto local e apoio da Fapeal
Durante a condução da pesquisa, foram utilizadas as instalações e infraestrutura do Laboratório de Controle Ambiental (LCA) da Ufal, com apoio de estudantes da pós-graduação. A mestranda Karla Machado foi uma das estudantes a integrar o projeto, participando dos ensaios experimentais e reforçando a relevância do trabalho colaborativo. “O projeto representa uma oportunidade de entender o funcionamento real de um reator e aprofundar os conhecimentos sobre parâmetros como sulfato e sua interferência na ação dos microrganismos”, frisou ela.
A investigação também prospecta impactos positivos para a própria agroindústria regional. A vinhaça, após passar pelo reator, mantém seus nutrientes e pode continuar sendo utilizada como fertilizante, só que nesta etapa, com menor carga orgânica e menor risco de contaminação, como explicou a bolsista: “Produzimos energia e, ao mesmo tempo, preservamos a função da vinhaça como biofertilizante. É uma solução dupla”, completou Fernanda Peiter.
Nesta perspectiva, Eduardo Lucena abordou que o apoio da Fundação foi substancial no estudo, tanto para fortalecer a formação de novos pesquisadores, como na consolidação do Programa de Pós-Graduação em Recursos Hídricos e Saneamento da Ufal (PPGRHS). “A bolsa permitiu que a Fernanda se dedicasse integralmente à pesquisa, atuando também na orientação de alunos e na redação de artigos científicos. Com isso, conseguimos elevar o nível da produção acadêmica e dar suporte à nossa primeira turma de doutorado”, afirmou ele.
A pesquisadora reforça que a experiência foi de fato transformadora: “Com o incentivo da Fapeal, pude aprofundar minha linha de pesquisa e me aproximar ainda mais da realidade do setor produtivo alagoano. Os recursos se mostraram importantes, principalmente por se tratar de uma pesquisa experimental”.
Agora, a cientista tem como meta seguir desenvolvendo pesquisas em colaboração com o PPGRHS, com o objetivo de fixar-se permanentemente em uma instituição de ensino superior. Com passagens por centros de excelência como a Universidade de São Paulo e a Universidade de Oxford, Fernanda Peiter acredita na importância de compartilhar esse conhecimento para contribuir com a formação de novas gerações de pesquisadores em Alagoas, ampliando o legado de uma ciência cada vez mais aplicada, acessível e conectada aos desafios regionais.